Os espertos


Se o único dilema que se me coloca, face ao estado a que chegou a política e a economia em Portugal é optar entre espertos ou inteligentes, constato que, para minha desilusão, temos sido geridos por espertos e os poucos inteligentes que ainda o são, são também, infelizmente, espertos.
A inteligência é uma característica do ser humano (pelo menos) que é tida como nobre, admirável, que pode e deve ser cultivada. Na inteligência tem entrado, ultimamente, não apenas aquilo que respeita ao desenvolvimento cognitivo mas também a chamada inteligência emocional, que aparece associada a uma certa “sentimentalização” do racional juntamente com preocupações de ordem social.
Não é caridade nem sentimentalismo latino. É “simplesmente” lançar um olhar humano para o mundo que nos rodeia e responder com a frieza possível no momento quente que vivemos: Como posso ajudar? Como me posso sentir melhor ajudando?
Parece egoísmo e provavelmente até é, mas se não nos sentimos bem com o que fazemos, então deixamos de o fazer. Se não nos sentimos bem a fazer algo de bom, por nós ou pelos outros, deixamos de o fazer.

A esperteza isolada de outras qualidades essenciais para ela se desenvolva saudavelmente, é perigosa. E temos tido tantos políticos que são apenas espertos. E por serem assim, convencem-nos do valor do voto na sua pessoa. E por serem assim, conseguem resistir de formas mais ou menos habilidosas com argumentos que ora são demagógicos ora são retórica. E por serem assim, conseguem galvanizar uma trupe de mentecaptos a defendê-los mais do que à própria família. E por serem assim, quando abandonam os cargos, quer saiam pela porta grande quer o façam pela porta pequena, vão sempre (os espertos), para um lugar melhor. E todos eles, curioso, deixaram o país pior do que quando foram eleitos.
São espertos.
Nós nem por isso: aplaudimo-los enquanto lá estão e revoltamo-nos, apenas entre as paredes das nossas casas ou à mesa do café, quando vemos que até foram ganhar milhões para determinada empresa ou que o processo por corrupção que corria contra ele ou prescreveu ou foi arquivado.

Depois há os que são inteligentes e espertos: muitos gestores pertencem a esta cáfila. São inteligentes por possuírem uma ponderação e uma visão muito mais global da realidade muito superior à média. Percebem e reconhecem muitas das carências e injustiças sociais, mas não as praticam, ou melhor, só o fazem quando tal não belisca o seu lugar, o seu estatuto. E é aqui que a esperteza toma conta da sua personalidade.
Quantos não veneram os accionistas das grandes corporações que representam? Diluem-se mesmo na personalidade dos senhores do capital, muitos deles possuidores de uma fome ancestral mal disfarçada pelo dinheiro. Estes são espertos, mas precisam da inteligência dos outros para multiplicar o seu capital. Mas saber rodear-se de pessoas inteligentes é também um sinal de esperteza. Quanto aos outros, necessitam da esperteza para não perderem a confiança do seu senhor, para continuarem a jogar o jogo que a sociedade empresarial joga. E por vezes até ganham prémios de ética empresarial, o que quer que isso seja.

Uns e outros são os responsáveis pelo estado a que o país chegou.
Porque dificilmente cabe a honestidade por inteiro onde a esperteza já reservou lugar. Já com a inteligência, a coabitação é mais natural, mas um ser inteligente dificilmente resiste à tentação da esperteza.
Fossem o país e as empresas geridos com mais inteligência e o sentido de justiça seria muito mais natural, a preocupação com as desigualdades seria um facto por si mesmo e não uma ilusão mascarada… mas também a preocupação e valorização do trabalho, a condenação daqueles que, sem necessitar, viveram à conta do Estado, sugando-o até ao ponto a que se reduziu hoje seria tão natural quanto é lógico, a uma pessoa (minimamente) inteligente, condenar estes falsos pobres, mas muito espertos, que também contribuíram, e de que maneira, para o país que temos hoje.

Talvez alguém que seja simplesmente inteligente não se meta neste mundo de espertos. Talvez resida aí a razão de ser da sua inteligência desprovida de esperteza. Se assim for, por mais medidas que venham a ser implementadas, de austeridade ou não, não há margem para grandes esperanças.

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