Filhos de Estaline

"Uma das imagens mais perturbadoras do século russo é uma fotografia de camponeses inexpressivos a vender crianças desmembradas como carne numa banca de um mercado na Ucrânia."

Owen Matthews in Filhos de Estaline

Filhos de Estaline conta a história de três gerações de uma família ao longo do século XX russo.
Quase tudo o que de verídico se passou na Rússia no século XX (e eu arriscaria dizer, em todos os séculos), é brutal, sanguinário, arrepiante, inacreditável, demoníaco, etc... há imagens, acontecimentos difíceis de acreditar e, provavelmente através da selecção natural não sobreviverão ao crivo da História, tal é a sua inverosimilhança como o absurdo descrito na frase acima.
Mas o mais assustador é que aconteceu mesmo. Mesmo o que não conseguimos sequer imaginar aconteceu mesmo. E se através da selecção artificial de Estaline, no que ficou conhecido como “revisão da História”, muitos relatos, artigos, discursos, fotografias e pessoas foram retocados, alterados ou destruídos, é difícil, mesmo o líder mais egocentricamente esquizofrénico, como é o caso, controlar o comportamento de todo o mundo que o rodeia.

E se o enredo se perde um pouco na segunda parte ao descrever uma história de amor alimentada mais pela luta contra a adversidade do que por um sentimento genuíno de comunhão com o outro, a primeira parte é uma descrição brilhantemente realista do desempenho e posterior aniquilação de um membro do partido (o avô do autor) e da infância de duas irmãs (a mãe e a tia do autor) durante a terrível época das purgas Estalinistas na Ucrânia na década de 30, quando o primeiro plano quinquenal (o da Agricultura), esgotou o solo soviético ao mesmo tempo que a população morria literalmente à fome. A frase acima descreve um episódio dessa época.

Uma história muito rica mas sem romantismo: as adversidades por que aqueles seres tiveram que passar servem para que se lhes preste homenagem mas também para nos capacitarmos da sorte em nunca termos tido sequer a mais leve aproximação a algo do género. Mas nem sempre a vida tem o final idílico dos romances ou dos filmes: não tendo que ser uma tragédia, o cunho da realidade fez-se sentir sobre as vidas de todos estes “personagens” reais. E aquilo em que as suas resultaram foi o que foi… sem dramatismos nem romantismos… apenas realidade.

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