O Carteiro de Pablo Neruda


Há muitos anos que vi o filme O Carteiro de Pablo Neruda (Il Postino, 1994)… o “muitos anos” nesta frase não deixa de ser algo hiperbólico: não sinto ainda a rarefacção da espuma dos dias na minha vida. Contudo, o facto de não me lembrar muito bem da maioria dos detalhes (apenas das imagens, do estado de espírito das personagens e da trilha sonora de Luis Bacalov), e de não ter gostado tanto do filme quanto as maravilhas que me apregoavam, são prova suficiente de que o vi há muitos anos… os anos suficientes para ser demasiado novo para ter apreendido toda a beleza com que me tenho divertido (a palavra foi bem escolhida) nas viagens de comboio com a leitura do magnífico e curtíssimo romance de Antonio Skarmeta.
O livro é um primor sob tantos aspectos que, não sabendo por onde começar, terei que me cingir a um ou dois pontos essenciais sob pena de me perder em divagações vagas como os discursos dos políticos.
O maior mérito da escrita de Skarmeta é algo impossível de transpor na totalidade para cinema (embora, do que me lembro, o filme tenha tentado reproduzir): retratar o ser humano de forma coerente perante dois aspectos brutalmente antagónicos da sua natureza: a beleza onírica das palavras poéticas de Neruda personificadas na ingenuidade de Mario Gimenez e a brutalidade do mais vernáculo que temos, no pensamento, no sentimento e na linguagem.
Escrever um livro, do início ao fim, quase só com metáforas é de uma mestria como eu nunca tinha visto: ler O Carteiro de Pablo Neruda é uma experiência que temo que me vá esvaziar por uns dias a vontade de ler novo livro… quero ter tempo para interiorizar cada aspecto da natureza da relação entre Mario e Beatriz… pensar nas palavras, na força das palavras ou melhor, na beleza das palavras, nas imagens por elas invocadas… de certeza que depois desta leitura vou 1) ler Pablo Neruda e 2) rever o filme.
Antonio Skarmeta demorou 14 anos a escrever um pequeno livro com pouco mais de 100 páginas… é porque têm que ser boas (as páginas). Comecei há três dias. Vou acabar este fim de semana.
O Carteiro de Pablo Neruda é um livro que resolvi ler (depois de o ter iniciado há anos e ter interrompido, talvez por ter algum exame, não me recordo), depois de o ter oferecido – um risco calculado pois juntando o que eu havia lido nessa altura, com as impressões que me ficaram do filme, estava convicto de que o material era bom: desta vez correu bem.

Comentários

Ofélia Queirós disse…
Não sei se sabes mas o actor principal (escrevo com a “antiga” ortografia porque parece que o Acordo Ortográfico vai ficar em águas de bacalhau até 2016) estava muito doente e a cena final foi feita através de montagens. E foi um duplo que fez as cenas em que o “Mário” subia a ladeira de bicicleta.

Um grande filme que gosto sempre, sempre de rever. Dois actores entranháveis e um grande poeta intemporal. Algum dia leio o livro.

Bejinhos. Boas leituras, pensamentos e escritos.
António V. Dias disse…
Não sabia desta história: sabia que ele tinha falecido e que, se tivesse ganho o óscar seria a título póstumo.
Tenho que rever o filme porque já o li há muito tempo.

O livro é simplesmente genial: uma linguagem arrojada, poética, inteligente, perspicaz, vernácula, honesta,... e por aí fora. Vale mesmo a pena: dá para rir e para chorar, mas é um hino à Vida, à Arte e como a Arte pode estar ao alcance de todos.

Beijihos e boa sorte na nova vida.