O Leitor


As dúvidas que tinha quanto a este filme foram adiando a minha vontade em vê-lo. Tais dúvidas foram-se formando ora por críticas, sobretudo devido ao desempenho de Kate Winslet ter sido premiado com um Óscar e ao filme ser algo “incipiente”. Estes foram os dois principais travões à minha curiosidade.
Uma vez que, sobretudo nos últimos tempos, me sinto cada vez mais imune a opiniões sobre assuntos dos quais eu não conheço, tal contribuiu para que eu consiga, por um lado ser muito menos influenciado por uma opinião de um amigo e por outro, conseguir gerir melhor as expectativas, minimizando o efeito que estas têm na apreciação final. Isto não quer dizer que não hajam amigos dos quais eu tenha a opinião em especial conta, mas apenas que, mesmo nessas situações, tal não é dissuasor (como por vezes chegou a ser) de me levar a usufruir de determinada experiência e ter opinião própria sobre o assunto.

O filme é O Leitor (The Reader, 2008) e é uma história que levanta tantas questões que me senti atraído por ela quase desde o primeiro momento.
É um filme que começa por nos conduzir num sentido mas que nos leva muito mais longe. A riqueza do argumento multidimensional (ou será a história?) mostra-nos a complexidade em que se podem transformar as relações humanas bem como as consequências que podem deixar, mostra-nos o conflito entre lei e moral, sempre de mãos dadas, mostra-nos o conflito entre coração e razão, sempre de mãos dadas, mostra-nos o conflito entre crescer e evoluirmos enquanto pessoas e estagnarmos ou voltarmos ciclicamente a sermos assolados pelos fantasmas do passado, mostra-nos que mesmo as acções mais cruéis podem, em certa medida, ser redimidas por atitudes mais ou menos simbólicas, mas cheias de significado, mostra-nos como por vezes a força do carácter traduz-se simplesmente em desistir e como a fraqueza (ou o fraquejar momentâneo) pode acompanhar uma vida inteira, mostra-nos como a força de vontade consegue produzir milagres, ideia metaforicamente representada pela paixão pela leitura.
Na Alemanha, nos anos do pós-guerra, um jovem apaixona-se por uma mulher mais velha. Um dia ela desaparece sem deixar rasto. Mais tarde, quando ele é estudante de direito voltam a encontrar-se, e é nesse reequacionar do passado e do presente que todo o futuro é afectado.
A pessoa menos culpada nesta história é quem carrega grande parte da culpa que ela comporta, é quem nunca deixou de ser uma preocupação para os pais, mesmo quando deles se distanciou, é quem nunca conseguiu construir algo duradouro, sempre alternando o bater do seu coração para a mulher que conheceu aos 16 anos.

O Leitor é um filme belíssimo.
O realizador inglês Stephen Daldry mostra que é um dos realizadores mais “eficazes” (as suas quatro longas-metragens foram nomeadas ou para o Óscar de Melhor Filme, ou de Melhor Realizador ou para ambos) e curiosos da actualidade. A sensibilidade que imprimiu a esta história já havia sido testemunhada em Billy Elliot (Billy Elliot, 2000) e é belíssima: só assim conseguiu passar a imagem das personagens com os seus pontos fracos e fortes e com uma dose nostálgica muito realista.
A marcação do ritmo do filme é algo tão notório (e notável) que dificilmente semelhante sensação seria passada sob outro ponto de vista.
Ralph Fiennes tem uma interpretação muito segura de alguém atormentado e cuja vida é uma luta constante para se reconciliar nem ele sabe bem com o quê... com a vida talvez, para poder finalmente começar a viver uma vida sua.
A interpretação de Kate Winslet é soberba. Confesso que as três ou quatro opiniões que havia ouvido (não me lembro de quem) não traduzem nada o modo como vi o seu trabalho. O seu papel é de uma profundidade, quer pela “riqueza” do passado de Hanna Schmitz, quer pela contenção com que ela teve que ser retratada, que é um trabalho que não está ao alcance de qualquer actriz.

Um filme muito, muito interessante, e que constituiu uma agradabilíssima surpresa.

Comentários

David disse…
Aló Antonio,
tudo bem?
Concordo contigo. E o livro é muito bom. Eu li há algum tempo e adorei.

Um forte abraço desde Moçambique
António V. Dias disse…
Olá David!
Tudo bem. Fiquei com curiosidade para ler o livro: gostei muito da história.
Um grande abraço e que tudo vos continue a correr bem em Moçambique.