De tempos a tempos, o cinema
italiano tem produzido grandes obras e, embora não sendo em quantidade
comparável com as gloriosas décadas de 40, 50 e 60 (veja-se o neo-realismo, por
exemplo), quando o faz, fá-lo à séria.
Cinema Paraíso (Nuovo Cinema Paradiso,
1988) ou A Vida é Bela (La Vita è Bella, 1998) são dois dos expoentes que
exemplificam o parágrafo anterior. Contudo, (re)vi há dias um filme que havia
visto há mais de 10 anos, e que, não me tendo conquistado na altura,
conseguiu-o agora, após a leitura do livro no ano passado ter constituído para
mim uma das leituras mais marcantes dos últimos tempos.
Trata-se de uma produção
franco-italiana de 1994 realizada por um inglês baseada na obra de um escritor
chileno: O Carteiro de Pablo Neruda (Il Postino) honra (e de que maneira) a
magnífica qualidade do texto que lhe dá corpo. O romance de Antonio Skarmeta é
inigualável e impossível de retratar em toda a sua cor, explosão de sensações,
sensibilidade e, sobretudo, respeito pelas palavras. Mas o filme de Michael
Radford consegue captar com uma humildade extraordinária o espírito da “Ilha
Negra”, agora transladada para Itália, onde nasce a amizade entre o carteiro
Mário e o poeta Neruda.
O romântico ambiente mediterrânico é
um cenário perfeito para o nascimento do amor de Mário pelas palavras, pela
poesia, pelas metáforas e por Beatriz. Até o ambiente político que serve de
pano de fundo à obra consegue ser inserido na Itália onde Mário se apaixona
pela poesia.
Massimo Troisi é perfeito. A sua
dedicação a este projecto, desde que leu o livro, escolheu o realizador e
insistiu em personificar o maravilhoso Mário, mesmo estando debilitado, segue
aquilo que uma vez Somerset Maugham disse na grande obra Servidão Humana: “Só
há duas razões pelas quais vale a pena viver: o Amor e a Arte”. Foi uma pena
não ter sobrevivido para saber que, com este filme, havia obtido uma
nomeação para um óscar... morreu 12 horas após ter terminado as filmagens! A simplicidade extrema de um pescador que adoecia cada
vez que saía para o mar, e que ao tornar-se no carteiro que tinha como único
“cliente” o grande poeta chileno exilado Pablo Neruda, é decalcada na
perfeição, tal qual foi descrita na obra de Skarmeta. O palpitar do coração no
contacto com o amor e a crença de que, com persistência e sentimento, a força
das palavras na sua forma mais sublime - a poesia - está ao alcance de todos
são as marcas deste livro/filme.
Quanto a Phillipe Noiret, a sua
qualidade não necessita de confirmação: foi um fantástico actor.
Pensar que estes dois grandes amigos
nesta história já faleceram, traz-me à memória a perenidade da arte: este filme
permanece em muitos que o viram e permanecerá em outros tantos que tenham a
ousadia de se deixarem por ele absorver. Agora que os amigos partiram, não é um
mau tributo constatar que conseguiram, ainda que numa única obra (no caso de
Troisi), ficar na história.
Porque para além de uma grande
história de amor, O Carteiro de Pablo Neruda é uma grande história de amizade…
aquela que nem a distância consegue destruir (ao contrário do amor?).
O toque com que a genial banda
sonora do argentino Luís Bakalov presenteia todas estas sensações fecha com
chave de ouro este exemplar, um dos mais belos que vi nos últimos tempos e que
me leva a constatar que é por ainda haver gente com capacidade e coragem para
conseguir produzir obras como esta que vale a pena ir ao cinema, que vale a
pena ler livros... raras vezes se acerta, mas quando nos acertam, vale mesmo a
pena.
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