Descaramento é defender o indefensável


Recentemente, tive uma conversa/discussão a respeito dos benificios de que as pessoas (alguns portugueses, no caso) se aproveitam e dos quais abusam, e dos impostos aos quais continuam a fugir, mesmo após troikas, etc... 

O ponto de partida da conversa foi a questão dos eventuais esquemas utilizados pelo Primeiro Ministro PPC a respeito de serviços prestados enquanto era deputados em exclusividade. Referi, como já havia referido noutra conversa, que o único "atenuante" de PPC é o facto de este género de esquemas ter sido prática comum há 20 anos atrás, tanto ao nível dos ricos como dos pobres, dos políticos como dos não políticos.

Temos sensibilidades diferentes a aspectos diferentes da vida: as questões laborais e fiscais estão entre os tópicos aos quais não sou minimamente tolerante. E isto não é fácil em Portugal.

Comecemos pelo "esquema" das despesas de representação para "representar" vencimentos encapotados. Tenho amigos e conhecidos que têm como complemento do vencimento base este tipo de esquemas. Adicionemos ao conjunto as despesas com refeições e o pagamento de kms, para citar os mais comuns. Estes três exemplos de instrumentos só fazem sentido quando são, por um lado, sinceros (obviamente) e por outro, eventuais, isto é, não podem constituir um pagamento regular e de valor mais ou menos constante. 
Isto serve para diferenciar de outros pagamentos adicionais como fundos de pensões, seguros de saúde, viatura de empresa ou combustível, que esses sim, podem e devem ser um benificio regular: contudo, mesmo estes não deixam de ser formas de, quer a entidade patronal quer o colaborador não pagarem impostos (em Inglaterra, por exemplo, os carros de empresa são englobados no vencimento e taxados em sede de IRS...), mas isso é tema para outra discussão.

Acuso PPC e defendo que deve tirar consequências. Porque condeno este tipo de jogadas e porque não tenho (conscientemente, pelo menos) telhados de vidro em relação a este tema. Contudo, não aceito aqueles que acusam o PPC de algo maquiavélico e que, ao mesmo tempo, prarticaram e continuam ainda hoje a praticar estes roubos ao país; não aceito que muitos dos que mais se insurgem contra o retirar de alguns destes benificios sejam aqueles que durante anos benificiaram e benificiam, de forma desonesta, transformando regalias para utilização eventual em deveres.
Materializando: num seguro de saúde pago por uma empresa, por exemplo, colocar óculos escuros como óculos graduados ou massagens em spas como fisioterapia para que seja a seguradora a satisfazer estes luxos tem um nome: Roubo. 
Mas não é apenas a seguradora que é roubada. 
Os prémios pagos às seguradoras têm por trás cálculos, de acordo com a utilização média des serviços que englobam. Se todos esgotam os plafonds, obviamente que os prémios pagos sobem. Num contexto de empresa, ou os prémios sobem ou, para manter o prémio, baixam os benificios... pois é: todos são prejudicados devido à desonestidade de alguns. Tal e qual como a fuga ao fisco, só que numa dimensão diferente: por uns mentirem, pagamos todos.

Quando estas conversas surgem, insurjo-me de uma forma quase sempre aguerrida porque é algo que me revolta. Mas quase sempre também acabo com dúvidas porque, muitas vezes, acabo por concluir que estou a acusar, com ou sem intenção, algum ou alguns dos outros intervenientes na conversa. A quantidade de pessoas que alinha nisto é tal por um lado, e este comportamento, ainda hoje, não é suficientemente mal visto (por incrivel que pareça), por outro, que é muito dificil ninguém ser "atingido" num grupo. Acontece-me no trabalho e também entre conhecidos/amigos.
Mesmo não sendo eu a praticar o acto ilícito, sinto-me mal pelo tom acusatório com que falo disto. É muito dificil defender a fundo, e não na generalidade e em abstracto, o pagamento de impostos e a não utilização fraudolenta de esquemas em Portugal. Quando se concretiza aquilo de que se fala, uma boa fatia da população portugusa tem telhados de vidro.
Muitas vezes, e disse-o nesta conversa, desejava ter coragem para ser bufo como nos países nórdicos, porque estes aldrabões prejudicam-nos a todos. Mas continuo demasiado agarrado a esta sociedade portuguesa em que cresci, e, embora denuncie, continuo sem coragem para fazer queixa de alguns comportamentos.

Hei-de continuar a ser prejudicado, por me limitar a utilizar correctamente o meu seguro de saúde, a pagar IVA de cada vez que tenho que arranjar o carro ou a não receber dinheiro por fora (se bem que neste caso seja muitas vezes uma imposição despótica das empresas sobre os empregados). E arrisco dizer que poderão existir situações futuras na minha vida em que, para não perder amizades, deverei ter que me calar. Não sei se vou conseguir... se a amizade e a liberdade de expressão são incompatíveis, então alguma coisa está errada na equação...

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