O Amor (por Sándor Márai)


"O que sabemos sobre a vida? Nada que seja real. Vivemos entre fantasias idealizadas que parecem ser retiradas das imagens dos postais. O "amor" é uma espécie de sentimentalismo dos namorados que passeiam de mãos dadas à luz do luar ou um espectáculo carnal que se desenvolve num ambiente sufocante, iluminado por um candeeiro com abajur vermelho, entre suspiros fingidos ou sinceros: é assim que nos ensina a literatura ou é apresentado nos teatros e cinemas. Por um lado, temos Beatriz, o amor idealizado de Dante, e, por outro, aquilo que Boccaccio dizia, ou seja, na realidade, Dante entregara-se com frequência ao amor físico. O que sabemos sobre essa força que move os humanos e tem também um significado particular para todo o universo? Chamamos amor a essa força que acopla os humanos e fecunda a matéria do mundo. O que sabemos sobre a sua natureza verdadeira? No teatro, podemos ver a cena, em que um cavalheiro sábio, já com idade avançada, sofre pelo amor casto que sente por uma jovem. A cortesã que atravessa o palco com uma expressão ávida e entusiasmada. O galã que com um sorriso frio destroça corações. A mulher frígida, infeliz no seu casamento, que de repente começa a sentir as chamas do amor, que foram acesas por um cavalheiro interessante. A tonta que se põe de joelhos aos pés de um actor famoso de cinema... Há ainda outros, presos no delírio da paixão, que bebem lixívia ou tomam uma grande quantidade de comprimidos ansiolíticos, dependendo do seu nível social ou educação. Mas fora das noticias cor-de-rosa, das novelas, das peças de teatro e dos filmes, o que sabemos sobre a verdadeira natureza e as intenções dessa força?... O cientista considera-a uma das manifestações da loucura, um ataque agudo de nervos que passa com o tempo; a literatura, em cada época, dá um sentido distinto a esta paixão, enobrece-a, qualifica-a como a demonstração emocional mais sublime ou mais desprezada do ser humano. Mas o que será na realidade?"

Sándor Márai in A Irmã

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