A formação
profissional deveria resultar em certa medida, no aperfeiçoamento pessoal uma
vez que as competências que pretende desenvolver, ao serem tidas como úteis
para melhorar o desempenho, arrastariam consigo uma alteração interior, nem que
esta se confinasse simplesmente ao aspecto comportamental: uma alteração do
desempenho profissional só ocorreria se algo em mim, mero colaborador (ou
deverei dizer, ser humano?), mudasse.
Propus-me em Setembro passado para
um workshop de mindfulness sugerido pela empresa, imbuído desta moda de gestão do
stress, organização do tempo, estabelecimento de prioridades, etc. Não fui
selecionado na primeira “leva” mas dois meses depois lá me inseriram numa
turma. Eu tinha curiosidade pelo tema, como tenho tido em relação a muitas
filosofias que vão entrando e saído de moda (Nova Era, Lei da Atracção,
Positivismo,…) e o meu interesse deve-se, não apenas a uma vontade genuína em saber
o que suporta a atitude que tão bons resultados tem dado (todas estas teorias
têm óptimos resultados mas nenhuma se aguenta muito tempo apesar de, de um
momento para o outro, algumas virem de “tempos imemoriais”) mas também por
querer encontrar uma resposta para um stress cada vez maior e mais absorvente
que me vai envolvendo nas diferentes componentes da vida e ainda demostrar
alguma disponibilidade para combater a resistência natural com que muitas vezes
aceito (ou não) estas formas diferentes de encarar a realidade.
A formação era no centro de Lisboa,
numa espécie de reduto holístico-zen,
para onde nem coloquei a possibilidade de levar carro, pois começaria a
stressar antes ainda da minha mind
chegar ao fulness. Resolvi assim
deixar o bólide junto à estação de metro das Laranjeiras e ir de metro até à
Estefânia, tranquilamente, sem sinais vermelhos ou “pára-arranca” ao mesmo
tempo que veria o relógio do carro, implacável, a atirar com os minutos ao
longo da linha do tempo muito mais depressa do que a velocidade a que a minha
viatura se deslocaria pelo centro da capital.
Chego à estação de metro e a máquina
dos bilhetes tinha a opção de pagamento por multibanco indisponível. Não há problema: pago com moedas, pensei
eu e, levando a mão ao bolso, reparo que as mesmas haviam ficado no carro, a
cerca de dez minutos a pé (a distância mínima para não pagar estacionamento).
Com uma nota de vinte euros na carteira, não me apetecia entrar na sala zen a chocalhar o cascalho capitalista
com que a máquina me atafulharia os bolsos de trocos e, imbuído do espirito estou-me a cagar porque hoje vou ao ‘mindfulness’
e não vou trabalhar, dirigi-me ao estabelecimento mais próximo para beber
um café e assim obter trocos. Beber o segundo café do dia antes das oito da
manhã era o preço a pagar para não stressar.
Comprado o bilhete, dirijo-me aos
torniquetes: num estava uma senhora cujo cartão não passava e o outro estava
livre. Passei o meu bilhete por este segundo torniquete e nada. Segunda vez e
nada. Da terceira vez, pressionei o cartão de encontro ao sensor como um louco,
mas o resultado foi o mesmo. Coloquei-me então trás da senhora que insistia em
passar pela mesma entrada quando o som irritante que o sensor lhe devolvia era
a única reacção que obtinha do dispositivo de passagem.
Começo então a ouvir o metro a
chegar lá em baixo e recordo-me de pensar: Cona
da tia!, recalcando de imediato o pensamento perante a lembrança do motivo
pelo qual ali estava.
O cartão não passava e o metro
parara… o som das portas a abrirem… pessoas a saírem, outras a entrarem… e eu a
visualizar tudo isto quando a única coisa que via era a mulher que me ia fazer
perder o metro a insistir pela n-ésima vez, exactamente da mesma forma, como se
pretendesse vencer a máquina pelo cansaço. Soltei um Foda-se! Ó que caralho! baixo o suficiente para que se parecesse
com um desabafo mas de modo audível.
E pronto: o aviso sonoro das portas
do metro a fechar. Havia-me feito perder o metro! Ao ouvir a minha imprecação,
ela afastou-se dando-me passagem com uma simpatia (Pode passar) a que nem liguei, pois o mal estava feito. Passei o
cartão e o torniquete deu-me passagem imediata mas já nada havia a fazer. O
metro partira e eu teria de esperar sete minutos pelo seguinte. Sentei-me num
banco da plataforma e, passados trinta segundos, surge a senhora, dona da minha
irritação, ao meu lado:
- Se calhar
perdeu o metro por minha causa? – disse-me simpatica e humildemente com a sua
pronuncia de português do Brasil.
- Não, não se
preocupe. – respondi – Eu estou com tempo. – o que era verdade – O meu cartão
também não passou na entrada do lado.
- Quando eu
mudei para a do lado o meu passou logo. – respondeu ela – Mas desculpa mesmo…
Seria exagerado dizer que me senti
uma merda, mas aquela reacção foi como uma lição: a puta da máquina andou a
gozar connosco trocando-nos as voltas e as passagens, e eu irritara-me com
aquela simpática senhora, e tudo por causa de sete minutos que nem sequer configuravam
um atraso!
O
dia de mindfulness começa bem, pensei eu, e continuei na minha.
O workshop e o pós-workshop
decorreram como decorrem tantas iniciativas do género: fantásticas durante o
“tempo da novidade”, no qual sentimos uma experiência verdadeiramente
transformadora e uma esperança de que daí em diante, seremos pessoas
diferentes; mas banais quando vistas à distância de uns dias, pois a
exequibilidade desse género de práticas faz sentido para muito menos gente do
que aquela que gostaríamos que fizesse. No caso em concreto: não há paciência
para, enquanto estou a comer um repolho (por exemplo), eu me pôr a pensar por
onde andou o repolho, no agricultor que o cultivou, nas pessoas necessárias
para que aquele repolho em particular tivesse chegado até ao meu prato… a não
ser com três ou quatro copos de tinto bem aviados. Caso contrário, podem meter
o repolho onde quiserem porque o caminho para aliviar o stress não é por aqui.
Pelo menos o meu caminho…
No segundo dia da formação levei o
carro.
Biblioteca de São Domingos de Rana, 27 de
Janeiro de 2017
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