Durante muito tempo as ciências exactas foram a minha casa, talvez numa
tentativa um pouco tosca e por demais imatura de conferir alguma ordem à vida.
A Matemática e a Física ombrearam durante grande parte da adolescência pelo lugar
mais alto do pódio e foi a primeira quem acabou por vencer, muito por mérito
próprio mas muito também por exclusão de partes: com dezassete anos a Física
complicou-me a vida e eu perdi qualquer veleidade de que algum dia pudéssemos ser
felizes juntos e divorciámo-nos logo naquela altura: reencontrei-a três anos
mais tarde servindo apenas o propósito de atestar o acerto da escolha passada
ao mesmo tempo que confirmei não ser o bicho papão que me havia atormentado. Ela
era a mesma; eu é que era outro.
A pequena colecção de livros de divulgação científica que fui reunindo
quando o meu interesse não havia ainda pendido para as letras continha uma
série de obras de enorme interesse que ainda hoje seria capaz de ler ou reler. No
final da adolescência e início da vida adulta, eu maravilhava-me tanto com os
mistérios da ciência e a mestria com que alguns divulgadores brilhantes a conseguiam
transmitir quanto me perdia numa licenciatura em Matemática de que fui
aprendendo a gostar, ainda que a sua única finalidade fosse pôr a cabeça a
trabalhar.
O primeiro livro que comprei da colecção Ciência Aberta da Gradiva chamava-se (chama-se ainda) Breve História do Tempo de Stephen
Hawking. Tinha ouvido falar dele numa notícia de telejornal cujo destaque dado
à obra dizia respeito ao facto do físico inglês avançar com a possibilidade de
se poder viajar no tempo!
Como muitos miúdos, também em tempos quis ser astronauta, também em tempos
o mistério do Espaço me fascinou e também em tempos o mistério da existência me
arrebatou. Para astronauta o meu CV não joga a meu favor mas os mistérios
continuam a visitar-me todos os dias. Um livro apresentado desta forma a um
jovem que ansiava por algumas respostas maiores do que a vida só podia fazer
com que eu fosse a correr comprá-lo. De imediato o comecei a ler e se completei
dez páginas digo-o mais por vergonha e por ficar bem admitir que o fechei com
um número redondo do que por qualquer outra razão: nem com a enorme dose de
paciência que então tinha (e que se esvaiu ao longo da vida, provavelmente sugada
por algum buraco negro) nem com a maior boa vontade do mundo, da galáxia e
mesmo do universo eu consegui perceber um boi do que lá vinha escrito… eram
estrelas a cair umas sobre as outras e o efeito gravitacional que o fenómeno
causava à volta, eram cones de luz que invertiam o sentido do tempo… fechei o
livro arrependido pelos mil e quinhentos escudos que tinha gasto.
Mais tarde, com algumas leituras mais na bagagem, tinha eu vinte e três
anos, resolvi voltar a tentar e mandei-me com convicção para as viagens no
tempo: não percebi metade mas adorei o livro. Até o forrei como se, ao
preservá-lo mantivesse intacto o conhecimento que havia adquirido e o impacto
que o livro tinha tido. Naquele tempo as capas que faziam uma bela estante eram
mais importantes do que o conteúdo dos livros que a formavam. Hoje, não só me
estou completamente a cagar para as capas dobradas, páginas riscadas ou letras
apagadas, como empresto livros que não mais volto a ver. Pior: empresto livros
que sei que não vou voltar a ver! Foi o que aconteceu com a Breve História do Tempo: não sabia que
não o voltaria a ver mas emprestei-o e nunca mais o vi. Emprestei-o à A. que
estou tão certo de que não ficou com ele por mal quanto estou certo de que
nunca o leu na puta da vida!
Stephen Hawking faleceu fez ontem uma semana. Fiquei triste o que é algo um
pouco inusitado quando falamos de uma pessoa da Ciência (sem preconceito). Não
sei se por nele ver um exemplo de alguém que foi capaz de ultrapassar as adversidades
ou pelo respeito que granjeava em cada intervenção que fazia, sobretudo quando
se afastava da Ciência para olhar para o futuro, o mesmo para onde defendia ser
possível viajar, e tecer sensatos avisos que poucos ousavam não levar a sério.
De uma coisa tenho a certeza: não era pelos seus conhecimentos científicos que
eu o admirava e muito menos foi essa a razão que causou em mim alguma tristeza aquando
da partida daquele homem.
A sua vida é sobejamente conhecida, tendo inclusivamente tido direito a
filme. A sua morte espalhou pela internet,
facebook, etc… um sem número de
frases feitas, aparentemente proferidas por Hawking, despoletando uma
constelação de posts avulsos, como se
de lições do Dalai Lama, do Paulo Coelho ou do Osho se tratasse, emolduradas
com honras de estrelas, galáxias e universos por trás e tudo! O respeito que
aquele homem construiu concedeu-lhe o direito a ombrear ao lado daqueles que mais
facilmente chegaram às massas e repito, alguém da Ciência, e com as limitações
que ele tinha, conseguir isso, é de génio.
Confesso que me fiquei pela Breve
História do Tempo em detrimento das lições sobre a destruição da
humanidade, olhar para estrelas e não para o chão ou as regras para ser feliz.
E o facto de me ter ficado pelo lado científico de Hawking não significa que eu
seja mais objectivo: uma vez que não percebi metade do que li, abri um espaço
gigante para a crença desempenhar o seu papel. Mas só acreditamos em quem
reconhecemos créditos para tal e Stephen Hawking ganhou-os decerto. Mas daí a viajar
no tempo…?
Caparide, 22 de Março de 2018
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