Retalhos da Vida


#1 Tensão Alta
Com o sentido de programação quase doentia que a minha mãe foi ganhando ao longo da vida, perguntou-me ela neste mês de Setembro o que queria eu como prenda de Natal:
- Preferes roupa ou um aparelho de medir a tensão arterial?
- O quê?! – exclamei em jeito de pergunta sem quaisquer indícios de retórica. E reforcei – A que propósito é que eu quereria um aparelho para medir a tensão?
- Então, quando cá vens costumas pegar no aparelho e medir a tensão…
- Isso é porque ele está na mesa ao lado do sofá!
- Pensei que quisesses um…
- Prefiro roupa, obrigado!
Sorte a minha ela não me ver a lavar os dentes ou a limpar o cu senão ainda se lembraria de me oferecer o catálogo completo da Colgate ou de mandar entregar em minha casa um carregamento da Renova!


#2 Baratas
Periodicamente as baratas tomam de assalto o terreno onde está a casa do meu pai; por vezes uma outra aventura-se até ao interior da moradia.
Entrava eu há dias em sua casa quando uma “baratinha” avermelhada me acompanhou na passagem do limiar da porta da cozinha, qual “pendura” do metro aproveitando o torniquete aberto pelo passageiro da frente.
Pânico!
O meu pai abre de imediato a porta do armário por baixo do lava-loiça e inicia uma sequência de borrifadelas de spray para o espaço à volta da máquina de lavar roupa onde a barata se havia escondido. Ao fim de alguns segundos percebeu que estava a tentar matar a barata com o spray para os móveis!
Impropérios para a mulher-a-dias que havia trocado as embalagens de lugar (claro que a culpa era dela).
Mais tarde, quando eu saía de casa dele, o meu pai pediu-me para ter cuidado e não deixar entrar mais baratas. Gritei para a minha irmã que havia ficado na sala:
- Joana, trás o WC Pato!


#3 O Bolo
Há muito tempo comprei um bolo – um cheesecake – no supermercado. Na caixa estava escrito que o mesmo deveria permanecer duas horas no congelador antes de ser servido.
Assim fiz.
Decorridas as duas horas, abri a porta do congelador a salivar por uma fatia ou duas que não tardariam, mas quando rasgo a caixa, em vez de uma bela, consistente e colorida tarte tricolor, saem-me três saquetas “prontas a fazer”…
Foda-se p’ra estas paneleirices!
Pacientemente, cegado por uma decepção furiosa que tentava conter, lá estive a misturar o pó de bolacha com nem sei o quê, a solidificar o creme de queijo ou a espalhar a compota no final para esperar mais duas horas que aquela maravilha do século XXI solidificasse no congelador.
O deleite com que saboreei o bolo no final foi o mesmo: a única diferença era a minha fome.
Conclusões:
- Deve sempre ler-se as instruções do que se compra, seja de um lagar de azeite portátil ou de um simples bolo;
- Se uma caixa de bolo estiver exposta na vertical numa prateleira de supermercado não refrigerada, então é altamente provável que o bolo não esteja pronto (por um lado tombaria, e por outro, não necessitaria de refrigeração posterior…).


#4 Marés Vivas
No Verão de 98 fomos à praia quase todos os dias (creio que só faltei nas ocasiões em que visitei a Expo). Um dia de Setembro chegámos à praia e a mesma fora engolida pelas vagas que galgavam a areia embatendo no muro que limitava o areal. Tinham começado as marés vivas.
Frustrados, impacientes e cansados de esperar, tentávamos perceber se valia a pena arriscar entrar no mar onde só andavam os miúdos do bodyboard. Até que um de nós teve a ideia de entrar…
Esperámos pelo momento certo e lá avançámos os cinco ou seis a correr, bem à vista da maralha toda e dos nadadores salvadores. Demos uns mergulhos para lá da zona de rebentação o que nos soube pela vida. O que não sabíamos era que o momento certo para sair era muito mais difícil de descobrir do que o ponto óptimo para entrar…
Safámo-nos todos mas não nos livrámos de um valente raspanete do nadador salvador e eu ainda tive que ouvir a minha mãe, que por acaso nesse dia estava na esplanada da praia a assistir a tudo com crescente preocupação. Não acreditou em mim quando lhe disse que eu tivera sempre tudo controlado… e com razão porque houve um momento em que pensei que me ia “esbardalhar” de encontro à areia e às conchas onde as ondas rebentavam a pique.
Quem teve a ideia fui eu…


Marinha Grande, 15 de Setembro de 2018

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