Todas as escolas que
frequentei antes de ingressar na universidade distavam a menos de 1 km de minha
casa. Independentemente de fazer sol ou chover a potes, eu tinha que carregar
uma tonelada de cadernos e manuais dentro da mochila que me dobrava as costas.
Comecei a ir a pé na 4ª classe, sozinho, num dia em que a minha mãe reparou num
furo no pneu do carro quando saía de casa e eu não queria chegar atrasado (a
estupidez vem de tenra idade).
A partir daí
seguiram-se outras caminhadas solitárias ao longo da estrada de Alapraia, já
não por necessidade mas por opção (e o orgulho de fazer coisa de gente grande).
Assim, quando entrei para a preparatória, não foi difícil reforçar uma
autonomia que eu já vinha experimentando. Difícil era aquela subidinha filha da
puta para a escola da Galiza… ainda hoje, ao subi-la de carro, lembro-me daqueles
dois anos em que a ida se compunha do duplo calvário para, à hora de almoço ou
ao final da tarde, sermos compensados com o jackpot
de não só estarmos livres da escola (que até não era assim tão má) como o
trajecto de regresso ser sempre a descer.
Passava por casa do
Manel (no 5º) e mais tarde (no 6º) juntou-se-nos o Leroy.
A partir do 7º, já
com o Paulo, eram eles a passar por minha casa pois a escola mudara e era o meu
reduto que ficava a meio caminho. No secundário voltei ao fim da linha e logo,
a fazer escala nas casas onde apanhava os amigos.
Das inúmeras vicissitudes
que recordo desses anos, há uma, uma única, cuja nitidez se sobrepõe a todas as
outras que se passavam dentro do meu lar: sempre que chegava a casa (mas sempre
mesmo) e levava a chave à porta, uma galopante vontade de mijar aflorava à
superfície do meu ser. Pouco importava se antes de sair da escola, qualquer que
fosse a hora, eu tivesse ido mudar a água às azeitonas antes de partir para
casa: assim que entrava na familiaridade da Vivenda Cantinho do Céu, mal tinha tempo de largar a mochila pois era como
se o barulho do trinco, a casa vazia ou o cenário doméstico provocassem em mim
uma reacção automática da qual eu só descansava depois de mijar.
Que alívio!
Mijar depois de
deixar encher a bexiga até à boca (salvo seja) foi algo que fui perdendo com a
idade. Não sei se é coisa de miúdo esperar até “estar aflitinho” para depois nos
regalarmos durante longuíssimos segundos de descompressão. Mas sabia tão bem…
só então começava a tarde: despachar os TPCs à pressa e, se estes se fizessem
difíceis, uma ou outra espreitadela às soluções debelariam a dificuldade para logo
me refastelar com a consola, o PC, a bicicleta ou a bola de futebol!
O que não perdi com
idade foi a tentativa (resiliente mas até hoje inglória) para evitar que o
último pingo fosse sempre parar às cuecas (ou será “à cueca”? “À cueca” dá um
ar mais ordinário à frase e por isso, bem mais divertido, mas admito que “às
cuecas” pareça melhor para nomear o receptáculo do último pingo (pingo ou pinga?
A minha avó diria “pinga”).
Que alívio!
E como a praia
desses anos fazia do mar a mais bela latrina universal! Quantas vezes não
mijávamos naquele balão de Erlenmeyer divino, diluidor por excelência de todos
os dejectos humanos para onde desembocavam os esgotos das tias e betos da linha.
Quando o vento ou a corrente estavam de feição, lá vinha o cheirinho nivelador,
igual, fosse ele proveniente das entranhas de um rico ou de um pobre. No mar
desse tempo, uma mijinha era uma gota no oceano. Hoje, com a mania das limpezas,
já não é tanto assim e se sinto a água a “amornar” na vizinhança de um qualquer
puto ranhoso que se deixa ficar a enrolar na zona de rebentação, fico enojado.
Mas no mar do meu tempo não; aí sabia mesmo bem!
Que alívio!
Será que as tias e
os betos mijam? De fora, parece-me que eles apenas urinam… (também não limpam a
boca ao guardanapo mas tocam ao de leve nos cantos dos lábios, um a seguir ao
outro, como se parecesse mal sujar o pano que é suposto servir para limpar!).
Mas urinar não tem o mesmo elã.
Urinar resume-se à satisfação de uma necessidade, algo que se faz porque tem
que ser. Agora mijar? Mijar confere um sentido àquilo de que não podemos
escapar: se temos de urinar, pelo menos façamo-lo mijando, com pujança (como na
época em que eu chegava a casa vindo da escola), com alívio (quando quase
deixava o “depósito” transbordar para disparar num jacto, qual boca de incêndio
a custo manobrada pelos soldados da paz), ou com prazer (como tantas vezes me
acontecia com o mar estendido à minha frente)!
Para a piscina
nunca larguei uma gota! A água confinada àquele espaço levava-me a imaginar
coisas nojentas se o fizesse, apesar do cloro que me deixava os olhos a raiar
de sangue depois de cada aula. Mas nos balneários, o Jota e mais um ou outro
porco mijavam em quem estivesse junto a eles no duche (a moda dos duches
individuais ainda não tinha chegado às piscinas de Alapraia). Porco do caralho!
Lembro-me de pelo menos uma vez em que me mijou para as pernas (outras houve em
consegui escapar ao seu impulso “Huckleberry
Finn”)
Que alívio! (senti eu
no dia em que desisti da natação…)
PS: mijar é um
termo um bocado ordinário mas é mais distinto do que “mandar uma mijada”, expressão
que nos divertiu à grande, muitos anos mais tarde quando, já frequentador do
mundo do trabalho, fomos visitar o David a Dublin e ele se sai com essa antes
de sairmos (para um copo em Temple Bar
ou para odisseia à Calçada de Gigantes, provavelmente).
Urinar é que está fora de questão. Julgo mesmo que deveria ser banido para todo
o sempre do léxico português: é que “urinar” é um verbo que fica mal em
qualquer frase; já o “mijar”…
Lisboa,
11 de Fevereiro de 2019
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