Rui e Eduarda - Uma História de Amor

Se muitos anos depois alguém perguntasse há quanto tempo se conheciam, diriam apenas: Desde sempre. E era factual que não se lembravam do momento em que haviam começado a viver ao lado um do outro, pois sempre se tinham visto como vizinhos.
Entre os dois, nem sempre a relação fora pacífica e durante a longa infância em que se testavam, várias foram as bulhas, todas infantis, não fossem elas próprias da idade. Umas vezes era o Rui quem embirrava; noutras cabia a Eduarda puxar pelos seus caprichos. Contudo, nunca os fogachos haviam passado disso mesmo e ao crescerem, juntos, viram-se na obrigação de cooperarem quando Eduarda, entrando numa séria crise existencial – própria da adolescência – iniciou um processo autodestrutivo levando Rui a resistir heroicamente à bipolaridade com que a amada – quase-amante – investia sobre ele.
Em prol da honestidade, convém referir neste ponto que a tábua de salvação do Rui foi a independência, da qual em momento algum abdicou, mesmo quando a relação entre ambos estreitava os laços e pedia uma dose maior de compromisso do que aquela que ele estava disposto a conceder. Homens! – diriam as amigas de Eduarda mais tarde – Dizem sempre que gostam muito de nós mas no fim nunca se querem envolver. Ainda assim, foi essa autonomia que possibilitou a Rui auxiliar Eduarda quando ela mais necessitava. Com o apoio de alguns amigos, ajudou a companheira a ultrapassar o destrutivo dilema com que ela quase se aniquilara. O sucedido fê-los pensar na natureza da relação – que teimavam em não assumir – e resolveram casar: mais para estarem lá um para o outro do que por qualquer disparo do cupido. Rui exigiu separação de bens (obviamente) pois a liberdade era um valor que conhecia mal e como tal, exigia em demasia.
Unidos, conviveram felizes durante os anos dourados de jovens adultos; mas a intermitência cada vez mais frequente com que Rui foi picotando a relação fez germinar a desconfiança em Eduarda. Começou a ouvir mais os amigos e menos a mulher, e a relação foi-se reduzindo a um simples contrato até ao momento em que a bronca estalou em casa de um casal amigo e Rui tomou partido sem consultar Eduarda. Esta, dividida, na confusão interior com que tentava conjugar as suas próprias convicções com a fidelidade ao marido, quebrou, e a ameaça de uma nova crise nasceu dentro de si. Mas desta vez Eduarda estava preparada para enfrentar os seus fantasmas e, mais forte do que alguma vez o marido a havia visto, ultrapassou sem ajuda o que se afigurava como um trauma.
Enfurecido, amuado por provar do próprio veneno sem ser tido nem achado, Rui, num acto irreflectido da mais pura infantilidade, decidiu anunciar que não aguentava mais. Embrulhou as razões nas clássicas questões de dinheiro, falta de liberdade e de solidariedade (para qualquer observador atento, as acusações espelham quase sempre os defeitos do acusador). Em momento algum mencionou a existência de um terceiro elemento ou o clássico “Tu és espectacular; o problema não és tu, sou eu”: nunca as desculpas se colocaram “entre” ambos mas sim “dentro” dele: mentia a si próprio, nem sempre de forma consciente, acerca das razões que o levaram a radicalizar a sua posição.
Eduarda estava mudada e, à semelhança da reacção com que enfrentara a crise anterior, também aqui mostrou estar à altura da situação. Coube então a Rui entrar na espiral esquizofrénica do agora quero mas não quero, tentando arrastar Eduarda para o caminho em que ele se colocara sem fazer a mínima ideia da razão ou modo como sair.
Ela, denotando uma maturidade que até a própria surpreendia, não se deixou enredar na teia doentia com que ele pretendia subverter as regras do jogo e deu-lhe um prazo para se decidir. Até lá, aguardaria tranquilamente, preparando-se contudo para o pior.
Desorientou-o.
A cada atitude dela respondia ele com uma imbecilidade. Pediu-lhe a separação mas a manutenção do contrato de casamento de modo a optimizar o efeito fiscal da relação e chegou a sondá-la para uma “amizade colorida”. Todas as tentativas envergonhadas de arrepiar caminho e conseguir o melhor de dois mundos foram por ela prontamente refutadas. Cada vez mais perdido no emaranhado do seu desvario, pediu-lhe mais uma oportunidade. E ela cedeu…
Pela primeira vez ela cedeu…
E ele cresceu.
Ao dar um segundo prazo para que ele se resolvesse, ela não se apercebeu de que começava a perder o pé. Ele sim, viu-o desde logo, tal como qualquer observador atento desta história. Mas não Eduarda e pior: julgava-se no controlo da situação (condição necessária e suficiente para se deixar ir ao fundo). Concedeu-lhe um novo prazo… e ele respirou de alívio… e a relação agarrou o adjectivo da moda: tóxica.  
Todos sabemos como estas histórias acabam.
Mas Eduarda (e nós tal como ela), não havia perdido a veia romântica que sempre fizera parte da sua natureza. Todos sabemos o que lhe vai acontecer. Mais um prazo… mais um amuo… mais uma cedência… e a progressão na espiral descendente da “dança da morte lenta”… tóxica… e destrutiva.
E todos sabemos o que aconselharíamos a Europa a fazer com o Reino Unido, perdão: a Eduarda a fazer com o Rui.

Caparide, 23 de Abril de 2019

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