Foi depois de uma
inscrição a queimar o prazo que fui seleccionado, em Fevereiro de 2001. Estava
a meio do segundo ano da faculdade – na realidade era o primeiro ano a sério,
depois do tradicional “ano de adaptação”, que cumpriu o propósito de conhecer o
comboio da linha de Cascais, os bares da FCUL e um sortido de jogos de cartas
como nunca mais voltei a ver – e o voluntariado apareceu-me num impulso. Não
tenho ideia se a necessidade de fazer algo útil surgiu por ter começado a
perceber que, quanto mais entendia e ia gostando de Matemática, maior era a
certeza de que não queria ser professor.
Se na altura o
desporto já não era uma prática regular (a natação e (sobretudo) o atletismo
haviam ficado na adolescência), o gosto não havia partido.
Quis o destino que
fosse parar à terceira opção (na lista de preferências que havia colocado), o
apoio aos Media, no Campeonato do Mundo de Atletismo de Pista Coberta
(Lisboa, 2001), sendo o responsável por essa área o Pedro Kay, professor de
educação Física, junto de quem desempenhei durante os dois ou três dias do
evento, essa tarefa tão portuguesa de “braço direito”. Enquanto os restantes
voluntários do Apoio aos Media desempenhavam funções bem tipificadas
como tirar as fotocópias, levar os alinhamentos das horas seguintes à bancada
de imprensa (estávamos em 2001), eu ajudava a desenrascar: era necessário
desencantar uma mesa para duas jornalistas inglesas, fui buscar a mesa; a
comida não havia chegado a tempo, fui falar com o tipo do catering; o Luís
e a mulher (não me recordo do nome – Cristina?), da empresa de assessoria de
imprensa estavam com um problema, eu tentava ajudar… lembro-me do Luís gritar
três ou quatro “Foda-se(s)” a propósito de não sei o quê e a Cristina
muito atrapalhada ante a presença do inglês da IAAF responsável pelos Media…
- You don’t know what
he’s saying, do you?
- Oh, don’t worry: I know
perfectly well what he’s saying. This things happen in every event. Last minute
changes… don’t worry.
Em três dias intensos
acontecem milagres, as pessoas aproximam-se e as amizades ganham forma. Nada
que se tenha passado comigo.
19 anos depois: a camisola da farda de voluntário |
Só anos mais tarde,
depois de outras experiências igualmente fantásticas ao nível do voluntariado
desportivo – estas, ao contrário do Campeonato do Mundo de Atletismo de
Pista Coberta, sob a orientação do IPJ – como o Campeonato do Mundo de
Esgrima em 2002, a Gymnaestrada em 2003 e o Euro 2004, esta
experiência primordial trouxe um novo significado para a minha vida.
Em 2004 comecei a dar
aulas. Entrava no último ano do curso e tive a sorte de frequentar o derradeiro
ano em que o estágio pedagógico ainda era a sério: pago e com turmas atribuídas.
Na escola sim, fiz amigos e tomei consciência da nobreza de uma profissão que
vai muito para além do ensino. Fiz amigos entre o corpo docente que fui
deixando cair pelo caminho. Mantenho ainda o contacto, raro… raríssimo com a
Helena e a Anabela, e a amizade que me uniu à Amélia perdeu-se nos últimos anos
em que ela se agarrou à vida. Ela orientava estágios de Inglês na Luísa de
Gusmão, em pareceria com a Maria João, que orientava a parte de Português do
estágio.
Não tenho memória de como
começou a conversa… se foi ela que referiu o nome ou fui eu quem viu uma
fotografia, mas aconteceu ela ter-me falado na Maria João e no Pedro, ou teria
sido na Lígia? [A Lígia também estivera no Campeonato de Atletismo e trabalhava
com o Pedro – Lígia Noia, nome que não esqueci] Talvez tenha sido através da
Lígia…
- Conheces a Lígia?
- Sim, estive com ela
no Campeonato… bla, bla, em 2001.
- Ela é amiga do
marido da Maria João.
- E por acaso o
marido da Maria João não se chama Pedro Kay?
Bingo!
O (pequeno) milagre
tinha acontecido nos primórdios do Facebook. Deslindar as ligações
casuais requeria termos o acaso do nosso lado e conseguir seguir as pistas. O
nome da Lígia havia surgido, o apelido estranho – Noia – captara a minha
atenção e a amizade com o marido da Maria João lançara-me num palpite que,
também ele possuidor de um apelido inconfundível, eu sentia ser certeiro.
Deste encadeamento,
não é o Pedro, a Maria João ou a Lígia quem ficará a passear na minha memória
quando eu fechar este texto: é a Amélia. Não só por ter sido ela a lançar as
cartas, os búzios ou a consultar os astros para possibilitar este milagre
(coisas em que ela tanto acreditava e que eu tanto refutava) mas por ter sido a
Amizade que ficou e da qual nem sempre soubemos cuidar.
Biblioteca
de São Domingos de Rana, 7 de Março de 2020
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