Caparide, terça-feira, 14 de Abril de 2020
Na
continuidade de uma das mais belas rotinas reinventadas, derreei-me pela
leitura, hoje mais curta (dia de fazer a barba), e aconteceu… Caminhávamos pela noite, ninguém nas ruas,
as pedras luzidias da humidade… uma frase revolveu o que eu ontem havia
ignorado. Como na reação à morte ou ao fim de uma relação, defendemo-nos num
adormecimento de alma que uma tirada, um encontro ou uma música inesperados
podem acordar mais tarde sem aviso, despoletando a reacção cuja ausência
estranhávamos: apertou a saudade do Caminho que não fiz… pela noite (…), as pedras
luzidias da humidade… acometeu-me pela primeira vez a vontade de que esta
limitação se esfume. Não pelas saudades (tenho-as mas não tanto) ou pela
liberdade, mas pela falta do regresso ao troço de vida mais simples que
experimentei desde que convivo com preocupações. Apesar das armadilhas da
memória, o Caminho sobrepõe-se.
Se
esta exclusividade (pesem as reuniões e conversas tecnológicas) me apraz, julgo
que tal se deve em parte à possibilidade que agora tenho de explorar, sem a
guilhotina do tempo, prazeres que, mais do que numa distracção, me lançam na
profundidade do autoconhecimento. A outra parte traz consigo o mistério do qual
não estou suficientemente distante para avaliar: será isto um pretexto que me
coloca ao abrigo da responsabilidade, da decisão, de avançar no risco frente ao
desconhecido? Constituirá isto viver,
também viver, fugir de viver?
“(…) e é absolutamente necessário que eu
invente um futuro para ter um espaço de circulação.”
Como
encontrar o caminho para aquele futuro que nos aproxima de quem julgamos ser no
meio do acelerado carrocel de distrações alucinantes que era o mundo de antes?
Nélida
Piñon sugere uma resposta: “A solidão
buscada é o lugar onde melhor aprendi a encontrar-me.” Mas gozará de
exclusividade? E ainda que assim seja, sê-lo-á para mim?
Comentários