«Fausto, este é o Tom!»


Era dia dos namorados e os The Gift tocavam no Olga Cadaval. Pese a minha falta de cultura musical, era a segunda vez que os ouvia ao vivo apesar de, quando a Sofia me disse que talvez conseguisse os bilhetes e me perguntou se gostava, disse que não os conhecia. Só mais tarde me recordei de que num dia longínquo de Rock in Rio em que fui ouvir Bryan Adams e Stevie Wonder sob uma chuva irritante e uma dor de costas ainda pior (os pingos haviam cagado o recinto, pelo que não me pude sentar, e o cegueta atrasou-se uma hora, só começando a tocar à uma da madrugada!) apanhei, ao final da tarde, uma hora de concerto da banda de Alcobaça, creio que no palco principal (embora não o possa garantir), e constatei que uma ou duas canções “até me eram familiares”!
A sala estava escura e os lugares eram perfeitos: centrais, na primeira fila do balcão, piso um, com espaço para esticar as pernas sem perda de visibilidade devido a um qualquer corrimão ali plantado pelo génio, mais artístico do que prático, de algum arquitecto com vontade de deixar a sua marca.
Esqueçamos a artista de abertura e passemos directamente para os meus “quase-conterrâneos”. Da profundidade da minha ignorância, que ficou presa a alguns acordes de guitarra e às décadas de sessenta e setenta, devo confessar que musicalmente a banda me pareceu muito boa. Por “musicalmente” refiro-me ao instrumental e à melodia, ora entrando melhor no ouvido, ora pedindo algum trabalho de aculturação para nos reconhecermos em pleno nas canções menos óbvias.
Ela conhecia-os bem; eu nem por isso. Contudo, se bem que não possa afirmar que me converti ao clube de fãs dos The Gift, passei a admirá-los. Conhecia o sportinguista Nuno Gonçalves dos comentários futebolísticos no programa Trio de Ataque, tendo inclusivamente pensado (não há muito tempo) enviar-lhe um mail para o felicitar pelo facto de ser um dos poucos elementos exteriores aos grupos de buçais que semanalmente vomitam os recalcamentos clubísticos. Mas desisti da ideia após cinco minutos de pesquisa sem conseguir encontrar o seu mail.
E eis que num dos intervalos da música, virando-se para o público, ele se sai com:
- A Sónia nunca apresentou o Tom Sawyer ao Fausto!
Numa fracção de segundo, o filme passou ao contrário pela minha mente e pensei… Como é que é possível esta gaja ter chamado ao filho Tom Sawyer?! Estes artistas… quanto ao Fausto, associei-o ao personagem de Goethe, que fez um pacto com o Diabo. O subconsciente de braço dado com o preconceito: eu sabia que ela era casada com o tipo dos MoonspellMetalSatânicosFausto! Já está!
Esta baralhação mental não durou um pentelho pois, assim que vi a expressão da Sofia quando lhe perguntei quem era o Tom Sawyer, percebi tudo num instante! A minha ignorância, apesar de se encontrar, tal como o Universo, continuamente em expansão, não chega tão longe. Já a clarividência… O Tom Sawyer é que era o personagem e o Fausto o nome do filho da Sónia e do Moonspell (ainda assim, um nome satânico…). O mesmo Tom Sawyer que eu conhecia da infância, amigo de Huckleberry Finn, criado pela Tia Polly, inimigo do Joe Índio
Vês passar um barco
Rumando pr’ó Sul
Brincando na proa
Gostavas de estar
Menos mal não ter chamado ao filho Tom Sawyer, embora com estes artistas até o impossível se torna possível…
O concerto prosseguiu, – em bom – as luzes acenderam e os The Gift ganharam não um fã (comparando o que gosto de Cinema ou Literatura, não posso dizer que sinta o mesmo pela Música) mas um curioso interessado. Fã mesmo a sério, sou d’O Tom Sawyer! Já do Fausto, não é obra que me suscite grande curiosidade. A dos The Gift sim.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2020

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