Depois dos ABBA: Emanuel Moura.
O entusiasmo adolescente com que sigo amiúde um ou outro artista musical
(e a música não é de todo a minha praia), é algo a preservar, de tão raro e
precioso que é na minha vida. Aconteceu-me duas vezes na vida, com os ABBA,
cujo último álbum foi lançado no ano em que nasci, e agora, com Emanuel Moura.
“Conheci-o” no podcast do David Antunes, Canta-me uma História, e
fiz-me fã no primeiro momento. Uns gostam de humor britânico, outros dos
disparates 'Jackass' da vida; eu gosto do humor brejeiro. O que difere
(e muito) da mera ordinarice, pelo espírito com que se diz, faz, interpreta,
canta, apresenta, etc... É por isso que gosto do Herman e do Quim Barreiros,
mas não gosto dos Ena Pá 2000 nem dos Cebola Mole. E é por isso que gosto do
Emanuel Moura.
Andei meses a acompanhar a publicação dos espectáculos no site,
aguardando pelo momento em que chegaria a vez de Sintra, Cascais, Oeiras ou
Lisboa. Quando vi o mapa de Agosto, parei! Dia 16 em Janas e dia 24 na
Terrugem!? Não há fome que não dê fartura... mandei logo à Sofia o cartaz com a
Terrugem realçada a vermelho, para que a data sagrada ficasse bloqueada.
Foi ontem. Levámos o Henrique, para que os 12 anos comecem a aquecer o
carburador da adolescência. Acho que o puto gostou; qualquer dia, quando a
poeira assentar, pergunto. O Luís também alinhou e lá fomos os quatro à
Terrugem, à Festa da Paróquia em Honra de São João Degolado.
Tasquinhas, bifanas, fartura e ginginha. Carrinhos de choque, carrosséis
e o barulho de fundo a animar as romarias do Verão português. E vejo o maluco
na roulotte do Cristiano. Disse ao Henrique Está ali o Emanuel Moura: queres
tirar uma fotografia? e o puto veio sem responder, que é a melhor
forma de se afirmar. Registámos o momento perante a simpatia do artista, e aproveitei
para lhe pedir As Sete Maravilhas da Rosana. Disse que não podia cantar
essa ali (era muito forte), que começaria o espectáculo "com as mais
ligeiras" e depois, "conforme corresse", avançaria para as
clássicas IC2, Toni e Enganei-me (os títulos completos
ficam para quem pagar bilhete e ouvir o Emanuel Moura no upgrade desta
amostra, um espectáculo chamado Músicas com Bolinha).
Durante o concerto ainda lhe pedi as Sete (Maravilhas da
Rosana), mas era muita areia para a camioneta de uma festinha de Verão.
Ficaram as músicas fofinhas e um cheirinho das mais “românticas”. De qualquer
forma, as versões censuradas das canções do tipo são como os preliminares numa
noite “romântica”: cumprem a função de aquecer a sardanisca, mas com o toque p´ra
recolher, sentimos falta daquela explosão climáxica. Só que um bom
artista sabe dar a volta e Emanuel Moura provou ser também um óptimo entertainer.
Quem desconhecer Emanuel Moura e ler estas linhas, poderá pensar que
descrevo um grande artista. É verdade e não é: o tipo têm sentido musical, tem
graça, é um letrista habilidoso e diverte (julgo já ter escrito isto); contudo,
não pretende ser mais do que é, não é uma Amália (u-mamália) ou um Leonard
Cohen, nem tem que ser.
O ar de tonto que transparece da expressão de Emanuel Moura, meio puto
meio maluco, daqueles que na escola só deviam fazer merda, mas que os
professores reconheciam ter capacidade para mais, esconde um artista que,
depois do lançamento de Voyage, dos ABBA, há dois anos (o primeiro álbum
em quarenta anos), me trouxe a expectativa da criança que aguarda pela
meia-noite para abrir os presentes. E como dizia George Harrison em The Beatles
Anthology, “Nós demos-lhes a adrenalina, que é o mais difícil”.
Da segunda vez que o ouvir já não será igual, mas não tendo desiludido
em nada ontem, na minha estreia na Terrugem, resta-me agradecer-lhe este bocado
muito bem passado. Só foi pena a Rosana não ter aparecido para dar uma perninha
ou duas (e quiçá abri-las), mas o óptimo é inimigo do bom.
Lisboa e Rinchoa, 25 e 26 de
Agosto de 2023
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