Descobri hoje, ao ver All The Real Girls (2003), algumas das razões porque o cinema independente me tem dito tanto.
Ter o mérito intrínseco de
conseguir romper barreiras com orçamentos muito mais contidos é algo que colhe
logo à partida alguma simpatia, mas há razões bem mais fortes.
Uma tem que ver com a honestidade
com que estes filmes são feitos. Normalmente os autores, seja realizador ou
argumentista, se abstrairmos o (pouco) dinheiro que têm à disposição, possuem uma liberdade muito maior para
construir uma obra à sua medida, de acordo com a sua visão, sem ter os grandes
estúdios a meter o bedelho, preocupados com os danos que determinada cena (mais
arrojada) possa causar na sua imagem ou com as receitas de bilheteira.
Esta liberdade/honestidade
traduz-se muitas vezes em histórias e formas de as contar muito mais próximas
da vida real do que o cinema mainstream ( não lhe chamo cinema comercial mas
mainstream porque muito do cinema independente hoje é comercial: All The Real
Girls pertence a essa intersecção). Achei curioso que um dos prémios alcançados
por este filme tenha sido um Prémio Especial do Júri em Sundance: Dramático “for
emotional truth”… e é isto mesmo: é este o espírito do cinema indie e que
apenas os realizadores mais consagrados conseguem “fintar”, nos grandes estúdios.
Os clichés no cinema corrente deixam
de o ser no cinema independente, porque aqui, as frases mais “feitas” fazem
todo o sentido: não são introduzidas a martelo na história, com grandes planos,
uma mega-banda sonora por trás e uma introdução cinematográfica como se um ET que tivesse
acabado de chegar à Terra fosse usar da palavra. Não me sinto defraudado com
estas frases “sublinhadas” no meio de um argumento simplesmente honesto porque
estas frases acontecem nos discursos da vida real, assim mesmo: sem aviso.
Outra imagem de marca do cinema
indie tem que ver com a obra ficar muitas vezes inacabada. Mas tal é uma falácia
inculcada pelo hábito que temos em ver tudo terminado, seja com o “felizes para
sempre” seja com uma “morte ou uma separação para sairmos a chorar”. E quando
um filme não tem um fim “digno desse nome”, então está a pedir uma sequela (eventualmente para
reservar mais umas receitas de bilheteira futuras). Aqui o fim não é linear, e o
facto de tantos filmes ficarem com o desenlace em aberto oferece uma liberdade
ao espectador para à qual ele nem sempre está preparado ou habituado. E são tantas
as vezes em que ele não o aceita. E é pena, porque se o que se pretende numa
história é realismo, um final reduziria todo o filme a uma simples visão…
Apercebi-me disto hoje ao ver
este filme. Cheguei até ele por ter lido uma frase sobre o último filme do seu
realizador, David Gordon Green, Prince Avalanche (2013), como sendo uma lufada
de ar fresco no Festival de Berlim deste ano. Ao investigar sobre a sua obra,
fiquei surpreendido por ter, há três ou quatro anos, um filme dele em casa, à espera que a
vontade me assaltasse: George Washington (2000), aparentemente, pelas críticas
e pelos prémios alcançados, a sua melhor obra.
Fiquei com a certeza de que All The Real Girls não é o último
filme de Green que verei. Para além disso, teve o mérito de me pôr a pensar
mais fundo sobre este género de cinema e o porquê de ele ter cada vez mais
significado para mim.
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